Neste dia, em 2011, o Brasil se despedia de um dos nomes que deu a cara tapa antes mesmo da força da internet na carreira de artistas LGBTQ+. Trata-se da dançarina Lacraia, que ao lado do funkeiro Serginho, originaram uma das duplas mais icônicas do país.
Após apenas dois anos investindo em seus trabalhos sem a dupla, a dançarina acabou falecendo. Na época, veículos de comunicação reportaram sua causa de morte tanto como por “tuberculose” quanto como por “pneumonia”, de forma que fica a dúvida em relação ao que realmente tirou sua vida.
Emocionante trajetória
Lacraia foi uma das primeiras travestis a fazerem sucesso no mundo da música brasileira, abrindo caminho para figuras como Pabllo Vittar e Gloria Groove nos dias atuais.
A carioca subiu aos palcos nos anos 2000 ao lado do funkeiro MC Serginho, dançando enquanto ele cantava. Os dois haviam sido vizinhos quando mais novos, depois tornando-se amigos e enfim parceiros de profissão.
Antes de se tornar um ícone
Felizmente, Lacraia nasceu em uma família amorosa: “Dona Lisa [mãe da artista] é sensacional, a família inteira tratava a Lacraia com o maior amor e carinho”, revelou Serginho, conforme repercutido pelo iG Queer. Dessa forma, a travesti teve espaço e liberdade para desenvolver sua identidade.
Além da carreira musical com seu amigo funkeiro, a dançarina também teve diversas outras profissões: maquiadora, cabeleireira e camareira de uma sauna gay são algumas dessas, por exemplo. Ela ainda fez shows individuais como travesti (ou “transformista”, como era chamado na época), ocasiões na qual usava o nome artístico de “Volpi Jones”.
Foi apenas depois de um evento em específico que Lacraia passou a performar com o amigo. Os dois estavam presentes em uma festa da vizinhança quando um homem ameaçou espancar a artista, alegando que era contra a orientação sexual da jovem. Serginho então interferiu para defender sua vizinha, terminando por impedir que a violência acontecesse.
“Sempre foi um tratamento de irmãos. Até porque nós passamos muita dificuldade juntos, né, cumpadi? Ninguém queria que eu levasse a Lacraia, e eu briguei, disse que ia levar, porque era meu amigo. Então, a gente sempre se tratou como irmãos”, explicou Serginho em entrevista ao Extra.
Naquela época, todavia, vale dizer que a sociedade brasileira possuía uma carga ainda maior de preconceito contra figuras da comunidade LGBT+, tornando a vida profissional da drag queen muito mais difícil do que deveria.
A mãe de Lacraia, Maria Alice da Silva (ou Dona Lisa, como chamou o parceiro artístico da artista), também comentou em entrevista ao Ego que a despeito da alegria que a travesti exibia nos shows de funk, ela passou por dificuldades em relação à sua saúde mental:
“No dia que ela ficava em casa, só queria deitar no chão, jogada, em silêncio. Era o momento de ela esquecer a vida lá fora. Minha filha ficava com o pensamento distante, era bem diferente do que aparentava na TV”, comentou.
Fama
O nome artístico “Lacraia” surgiu ao acaso, em um dia em que Serginho viu um exemplar do inseto próximo à mesa onde arrumava os equipamentos de som. A maneira como o artrópode se mexia lhe lembrou um “rebolado”, e na hora de apresentar suas batidas, acabou soltando seu famoso “Vai Lacraia, vai Lacraia” ao se referir à amiga dançarina.
O apelido pegou rapidamente. Antes disso, ele havia apresentado a travesti de outras formas, como “Robocop” como referência à icônica música dos Mamonas Assassinas.
Lacraia, contudo, não gostou imediatamente de seu novo nome de palco. A princípio, chegou a instruir seu colega de profissão a nunca mais usá-lo novamente, mas após algumas apresentações acabou se apegando ao apelido.
A dupla musical estourou em popularidade em 2004, quando “Égua Pocotó” foi tocada nos Jogos Olímpicos daquele ano.
Eventualmente, eles acabaram se afastando (somente na vida profissional, continuando com a amizade) porque Lacraia queria seguir uma carreira solo.
“A Lacraia queria ser DJ de música eletrônica. Estava mais do mundo dela. O pessoal LGBT sempre gostou mais de música eletrônica. O sonho dela era ser DJ de música eletrônica. Depois de uma década trabalhando juntos, ela achou por bem seguir a carreira dela”, disse Serginho ao site Extra.
Reportagem de Aventuras na História de UOL